sexta-feira, 23 de março de 2012

A dor que mais dói

Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói.
Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem.
Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua,
dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma
cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que
não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu.
Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu.
Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo,
quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos.
Dóem essas saudades todas.

Mas a saudade mais dolorida é a saudade
de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
Saudade da presença, e até da ausência consentida.
Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem,
mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele
para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar
o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã.
Mas quando o amor de um acaba, ao outro
sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.

Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua
se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua
clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a
camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta
com o dermatologista como prometeu. Não saber
se ele tem comido frango de padaria, se ela tem
assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu
a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar
entre dois carros, se ele continua fumando Carlton,
se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo,
se ela continua dançando, se ele continua
pescando, se ela continua lhe amando.

Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias
que ficaram mais compridos, não saber como encontrar
tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber
como frear as lágrimas diante de uma música,
não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele
está com outra, se ela está feliz, se ele está mais
magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca
mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.

Martha Medeiros

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